Eu ainda não tirei carteira de motorista, isso não faz parte dos meus planos atualmente mas vou me aventurar a fazer uma analogia sobre direção automobilística e a direção do nosso ativismo vegano, porque embora eu não dirija muito mais do que a minha velha bicicleta eu dirijo a minha vida e faço escolhas todos os dias que podem mudar a direção dela.
Todos nós, tendo ou não carteira de habilitação para dirigir carros, somos motoristas: Motoristas da nossa própria vida! Nossas escolhas giram o volante, escolhemos caminhos e descaminhos todas as vezes que perpetuamos uma cultura ou que mudamos a forma como as coisas são apresentadas a nós, pegamos atalhos, inventamos nossos próprios roteiros…
Eu me lembro com muita nitidez quando uma tia minha estava recém habilitada, ela me levava para passear em seu carro que ainda cheirava a carro novo, me fazia colocar o cinto de segurança sempre e era muito atenciosa com as leis de trânsito, mas algo que eu não sei explicar direito acontecia sempre que ela precisava passar pela cancela dos estacionamentos de shoppings, pois neste momento ela deveria parar bem rente a maquina de bilhete de estacionamento, esperar a cancela abrir e então seguir… E as vezes ela não conseguia parar perto o suficiente para alcançar a máquina sem abrir a porta do carro, mas o que me chamava a atenção era o fato de SEMPRE rolar uma espécie de ‘engasgo’ do carro na hora de sair, isso a deixava com um pouco de vergonha em relação aos carros que estavam atrás dela, eu era criança e apenas ria.
Nenhum carro nunca buzinou pra minha tia ao ver o carro dela ‘engasgando’ no semáforo recém aberto, nenhum motorista nunca a xingou quando ela levou mais tempo do que o necessário para pegar o bilhete de estacionamento e ninguém nunca a humilhou publicamente por levar muito tempo para acertar entrar numa vaga apertada. Todos percebiam que ela provavelmente ainda estava aprendendo a conduzir seu carro, que era recém habilitada… E isso fazia com que as pessoas tivessem paciência com ela.
Fico pensando no quanto seria bom se as pessoas que vivem em um mundo feroz de redes sociais fossem tão pacientes com quem está começando no veganismo quanto os motoristas que viam a minha tia passar sufoco com seu carro… Porque parece que a gente esquece que um dia também errou muito antes de conseguir acertar o passo dos nossos pensamentos, escolhas…
É tão fácil xingar, gritar, humilhar e desmerecer quem ainda está começando a fazer as coisas que se tornaram triviais e óbvias para os que já praticam há anos! Em um filme que assisti recentemente (as vantagens de ser invisível) uma frase me marcou muito: Tem gente que esquece do que é ter 16 assim que faz 17 anos!
Quando eu decidi me tornar vegana logo na primeira semana comi comidas que na minha mente eram veganas…. Todas acompanhadas com maionese (que não é vegan) e ainda bem que um amigo ativista muito paciente (Plínio Ganzer) me avisou carinhosamente que maionese leva ovo e ele fez isso de forma leve, amigável, discreta… O que me fez abandonar a maionese de vez, mas logo em seguida comecei a comer macarrão e não fazia ideia de que macarrões eram feitos com ovos também… E mais uma vez o Plínio me alertou sobre o macarrão com todo amor e paciência do mundo.
Talvez para o Plínio e para a maioria dos veganos de longa data (como eu hoje) seja óbvio que maionese não é vegan e que macarrão pode ser feito com ovos e por isso a gente tem que ler o rótulo… Mas não era óbvio pra mim na época, não é óbvio para um monte de gente que tá começando agora e continuará não sendo, mas e ai!? Será que podemos tirar o direito e o prazer dessas pessoas serem veganas por que estão errando em coisas ‘básicas’?! Será que alguém poderia tirar a carteira de habilitação da minha tia porque ela não conseguia estacionar perfeitamente em vagas apertadas?
Sabe, muitas vezes, enquanto dirigimos a nossa vida ganhamos de presente algumas pessoas que sentarão no nosso banco de carona – ou na garupa da nossa bicicleta – e seria maravilhoso se passássemos pra essas pessoas maior segurança a respeito do caminho que estamos trilhando e que estamos apontando para elas, seria perfeito se ao invés de insultos e desaforos conseguíssemos dar a elas a chance de verem como é que fazemos a coisa certa, porque o óbvio é muitas vezes uma questão de treino, prática e persistência.
Certa vez, ao ser carona de um amigo percebemos que o carro estava ficando sem gasolina, pensamos em parar no próximo posto… Que para a nossa surpresa apareceu quase que na última gota de gasolina do tanque do carro dele, foi sorte não termos parado no meio da estrada… E talvez a necessidade de enchermos o tanque não seja algo que diz respeito apenas aos carros!
Naquele dia aprendemos algo óbvio mas elementar: Sem gasolina o carro não anda! E quer saber?! Sem amor o ativismo não convence! E talvez só o amor pela causa animal, o amor animalesco pelas pessoas e pelo mundo em que vivemos seja o combustível capaz de fazer com que o nosso ativismo seja eficaz e nos leve adiante.
Quer saber como você faz para encher o tanque do seu ativismo?!
Ofereça uma carona quando for assistir a um documentário vegano para seus amigos.
Se importe e valorize as dificuldades que cada novo recém vegetariano ou aspirante a vegano apresenta a você… E se você apresentar suas palavras desaforadas estará rodando na estrada sem rumo certo mas se oferecer soluções e ajuda estará enchendo o tanque!
Seja gentil com as pessoas que estão a sua volta porque pode ser que você seja o único exemplo de vegan que elas tem para observar e olhar e amar aos animais incondicionalmente (os animais humanos e não humanos) envolve ser a melhor versão de si na maior parte do tempo possível. Encha seu tanque de amor…
Mas nem só de ‘paz e amor’ se move o ativismo, é preciso encher o tanque de conhecimento, seja em forma de receita vegan, em pesquisas científicas, argumentos sólidos e bem estruturados e tenha sempre em mente que as vezes o silêncio é a melhor resposta para as perguntas cretinas, as piadas ofensivas e as ofensas gratuitas… Porque o silêncio faz ecoar as vozes ferozes que gritam sem pensar e talvez esse eco sirva como ponto de reflexão muito mais do que qualquer resposta atravessada.
No final da nossa Jornada somos todos ao mesmo tempo motoristas e caronas, estamos sempre enchendo o nosso tanque e o tanque dos outros, estamos todos seguindo por estradas de ativismos em frentes diferentes mas temos a mesma meta: Queremos chegar num mundo com mais compaixão, ética, justiça e equidade onde todos nós poderemos vivenciar a liberdade e gozar de uma vida plena sem precisar explorar a outros seres sencientes!
Encha seu tanque de amor, de conhecimento, de boas energias, de amigos de verdade!
Beijos libertários para quem deseja seguir na Jornada sendo a melhor versão de si!
Debbi C’ruz.